Todas as espécies têm direito à preservação

28/10/2011 14:04

Clovis Pereira Neves (criador amadorista)

19/03/2008

 

Em um país onde 95 milhões de habitantes não têm acesso a infra-estrutura de saneamento básico, é de se esperar que apenas uma pequena fração dos interessados em manter pássaros no ambiente doméstico tenha efetuado seu cadastro no IBAMA, tornando-se um criador amadorista ou comercial de espécies da nossa fauna nativa, em absoluto acordo com a legislação vigente. Estimamos que, para cada criador legal, existam centenas de clandestinos.

 

Nenhum criador amadorista ou comercial se interessa por aves capturadas na natureza. Quando assistimos no noticiário a apreensão de centenas de pássaros silvestres, transportados clandestinamente, podemos estar certos de que o destino que essas aves teriam é o abastecimento do comércio ilegal. Nenhum criador amadorista ou comercial se interessa por aves capturadas na natureza. Os criadores, amadoristas ou comerciais, possuem pássaros reproduzidos em ambiente doméstico, submetidos a um processo constante de seleção por muitas gerações, que são mais bonitos, cantam melhor e são totalmente adaptados ao cativeiro, sendo muito superiores aos que foram coletados na natureza.

 

O interesse econômico antagoniza criadores comerciais e traficantes de pássaros. Um pássaro produzido em ambiente doméstico tem um custo muito superior ao do espécime capturado na natureza. Os traficantes podem praticar preços de venda muito inferiores, pois vendem o que não produziram. Isso transforma os criadores comerciais ou mesmos os amadoristas em fiscais em potencial, denunciando aos órgãos competentes qualquer irregularidade comprovada.

 

O IBAMA, em uma estratégia beócia, há algum tempo vem envidando esforços no sentido de tornar a legislação mais restritiva à reprodução de pássaros em ambiente doméstico. Essa legislação atinge apenas os criadores legais que, produzindo menos, deixarão mais mercado para os traficantes de aves. A sociedade não pode desprezar o importante papel que os criadores desempenham na preservação das espécies.

 

É certo que já foram descobertos criatórios legalizados que operavam de forma irregular, comprometidos com o tráfico e o contrabando. Mas também é certo que funcionários do IBAMA já foram indiciados por fornecimento ilegal de anilhas de identificação de pássaros, por envolvimento com extração irregular de madeira e por uma série de outros crimes. Nem por isso poderemos considerar os criadores comerciais e amadoristas como contraventores, tampouco a instituição IBAMA como corrupta. É tudo uma questão de fiscalizar, de identificar e indiciar criminosos.

 

A sociedade não pode desprezar o importante papel que os criadores desempenharam e desempenham na preservação das espécies. O Oryzoborus maximiliani (sorophila), conhecido popularmente como "bicudo", praticamente extinto em ambiente natural, está com a sobrevivência da espécie garantida pela reprodução em ambiente doméstico. A população de bicudos registrados é, hoje, dez vezes superior à que já existiu na natureza. Se a legislação tivesse facilitado a reprodução em ambiente doméstico, provavelmente não estariam extintas a Anodorhynchus glaucu (ararinha-azul-pequena), a Cyanopsitta spixii, (ararinha-azul) ou o Calyptura cristata (tietê-de-coroa).

 

Uma consulta pública está em curso para determinar quais espécies de nossa fauna nativa poderão ter sua manutenção e reprodução em ambiente doméstico autorizadas, para comercialização como animal de estimação. A inclusão de uma espécie a contempla com a possibilidade de ter a sua existência assegurada em ambiente doméstico quando não puder mais sobreviver em ambiente natural. Não é apenas uma questão de atender aos interesses dos criadores. A inclusão de uma espécie é tão mais importante quanto maior for seu risco de extinção. Ao excluir determinada espécie da lista das autorizadas, o IBAMA estará chamando para si a responsabilidade pela sua preservação. E a história comprova que essa tarefa é demasiada para a capacidade operacional do órgão.

 

Em Brasília, a uma dezena de quilômetros da sede nacional do IBAMA, encontramos várias áreas demarcadas como de preservação ambiental (APA), invadidas por condomínios, com ruas asfaltadas e construções imponentes. Se o Estado não pôde evitar a ocupação dessas áreas destinadas à preservação ambiental, tão próximas, o que esperar das regiões mais distantes?

 

É imperioso que o IBAMA envide esforços na fiscalização e na divulgação da forma como os aficionados devem proceder para a obtenção de aves com origem legal. Que o maior número de espécies possível seja incluído na lista das espécies permitidas. Que a reprodução em ambiente doméstico seja incentivada, como única forma segura de garantir a perpetuação das espécies de maior interesse.