BICUDA TOPETINHA – Mãe do Batuque

05/05/2015 08:24

Aloísio Pacini Tostes
Bonfim Paulista – Ribeirão Preto

(www.lagopas.com.br multiplicar para conservar)

Lá pelo ano 81, pegamos de Márcio Almeida, o bicudo Batuque que já era um campeão de fibra, confirmou em nossa mão e se tornou a grande referência, através da gravação de seu dialeto, que se tornou a “Raiz do Canto Goiano Clássico” hoje disseminado por todos os recantos de nosso Brasil como mais rebuscado e cultivado por aqueles que apreciam qualidade em canto de bicudo. 
Pois bem, Batuque era filhote nascido doméstico no ano de 76 em criação de Sr. Moacir em Taguatinga - DF. Uma novidade à época onde havia dezenas de bicudos capturados na natureza e que estavam na mão dos criadores que eram a maioria dos participantes em torneios de fibra. 
Depois de alguns torneios conosco, vendo aquela sumidade que era o Batuque, nos despertou a curiosidade para saber quem eram os pais dele, já que tinha nascido doméstico. Fato até intrigante constatar aquela qualidade evidente em um bicho criado, inusitado!!!. O Sr. Moacir nos disse que o pai cantava Goiano muito lindo e repetia e a mãe era fácil de conhecer porque tinha um risco branco no bico, cantava na surdina na cara de qualquer bicudo macho que não fosse o dela e tinha um topete do lado da cabeça. 
Bateu, então aquele interesse em adquiri-los, com as informações obtidas, fomos atrás e soubemos que o casal estava com o Antonino Dias Rosa – o Toninho Ferro Velho – morador em Taguatinga - DF. Inquirido ele disse que já tinha passado para o Sr. Custódio de Sete Lagoas - MG. A coisa foi ficando complicada. Na primeira oportunidade fomos até aquela cidade e lá ficamos sabendo que ele tinha vendido o casal para Divinópolis - MG, para o Sr. Zé Menina. Cada vez mais difícil e intrincado. “Será que ela ainda estará por lá?”.
Por causa da distância de Brasília, tentamos descobrir um jeito de entrar em contato com o Zé. Até que encontramos um encaminhamento: Falamos com Celso de Belo Horizonte - MG, colega do Banco do Brasil que tinha o costume de vender sementes para os criadores de toda aquela região. Pedi a ele que averiguasse quanto à existência do casal na mão do Zé Menina em Divinópolis - MG. Demos a deixa e falamos do grande interesse em adquirir os bichos para compor o nosso plantel. 
Ele se prontificou imediatamente: “deixa comigo que vou ver para ti”. “Ótimo”. Assim ficamos tranquilos quanto a ter a certeza que eles seriam localizados para facilitar eventual negociação. Naquele ano haveria o primeiro torneio de fibra em Divinópolis e dessa forma iriamos até lá para concretizar o negócio. E assim foi, muita ansiedade até chegar o momento. Lembramos que chegamos bem de madrugada do sábado com a adrenalina a flor da pele. O assunto com o companheiro de viagem, o Toninho Goiano, era só esse. 
Bem cedinho, estávamos na casa do Zé Menina para adquirir o casal, diziam que ele era bom de rolo. O coração a mil, Zé nos atendeu com sorriso nos lábios. Perguntamos: “ô Zé, queremos saber sobre um casal de bicudos que pegaste do Sr. Custódio de Sete Lagoas - MG”. Reposta dele: “uai sô, vendi eles para um tal de Warti de Campo Grande - MS que teve aqui com o Celso de Bel Honte - MG, aquele que vende sementes”. Uma pancada em nossa cabeça, o céu escureceu e de nosso dedo indicativo da mão direita saiu um pouco de sangue da mordida que recebeu. 
“Ah cabra safado, sem vergonha. Levar um comprador para adquirir justamente aquele casal tão cobiçado por nós?”. Era demais! “Como pode ter acontecido isso? Pura traição?” Foi difícil engolir. Coisas da vida, mais uma experiência amargosa. No entanto, em seguida, Zé Menina nos disse: “mas tirei dois filhotes machos deles que estão ali com o homem do bazar, porque não pegas os bichos”. 
Dito e feito, passada a raiva, sacudida a poeira, fomos até a loja do homem e pegamos os dois bicudinhos ainda pintados, muito parecidos com o Batuque, não havia dúvidas, deviam mesmo serem irmãos por inteiro dele. Chegamos em Brasília - DF na noite de domingo, os dois cantando no meio dos bicudos de roda. Um espanto, para nós. “Seria uma recompensa divina pelo dissabor que havíamos passado?” “Nem tudo está perdido”, pensamos!! Logo, foram batizados de Braseiro e de Blecaute, lindos demais. 
Contudo, aí começou, a nossa odisseia, pegar o casal genitores do Batuque. Descobrimos o telefone do Sr. Walter e ligamos. Ele disse: “logo vou a Brasília e conversaremos sobre o assunto que queres me falar.” Veio o pensamento, “vamos tourear e devagar mesmo que peça caro, vamos fechar”. O homem chegou, o dia inteiro ciceroneando e conversa daqui e dali, paga almoço, paga janta, até que fomos ao ponto que interessava: “queres passar aquele casal de bicudos que compraste lá em Divinópolis”. Resposta: “o macho vendi para um italiano que esteve lá em casa e a fêmea está lá, mas não vendo”. 
E assim foi, naquele ano um torneio em Cuiabá - MT, estávamos lá com o amigo Barbuce Leal com uma esquadra de bicudos, nós com Bachopa, Batuque e Buzina e ele com Abertura, Africano e Capoeira, fomos juntos na Variante II, dele. O hotel uma beleza, estávamos tirando uma soneca à tarde quando o Rubinho de Goiânia - GO, veio até nosso quarto e disse meio sorrindo: “tem um home aí fora com um bicudo pintado que é fera. Vai lá ver o bicho é show”. Era o Sr. Walter, rindo que se matava, arrematou: “veja aí, que bicudinho bom”. Chegamos perto e percebemos o topetinho na cabeça. Aí ele com um sorriso irônico exclamou: É ela, aquela que queres tanto, rsss, te pergunto, porque tanto interesse”. Pura provocação e de nossa parte pura exclamação!!! Mas um gosto amargo, por lembrar do dissabor do acontecido em Divinópolis. 
Realmente, fomos apresentados a bichinha desse jeito insólito. E o homem duro, não queria nem abrir preço. Muita indignação e assim foi até o outro ano, nesse interregno muitas ligações e nenhuma novidade. A nossa determinação em obter bicudas de alta qualidade sempre foi um propósito porque pensamos em reproduzir e obter campeões nesse processo. Era visível que em breve não teríamos mais bicudos disponíveis e de boas perspectivas. A ideia de pegar a Topetinha não saia de nossa cabeça, custasse o que fosse. 
E assim foi até que no ano seguinte nos encontrarmos em um torneio em Rondonópolis - MT e ele deu aquele veredito: “só se for em um desses seus bicudos de roda, em Cuiabá te falo qual.” Isso sobre os seis que tinha levado e que haviam se apresentado maravilhosamente, cada um melhor do que o outro. Em princípio, ficamos espantados com a ousadia dele em fazer aquele despropósito, trocar um bicudo de ponta por uma fêmea. Naquele momento, deu até um sentimento de revolta e de repulsa, “onde já se viu tamanho absurdo?”. 
Alguns dias depois, então em Cuiabá - MT, no torneio, nós com uma escuderia de belos bicudos entre eles: Barrica, Bastante, Bordado, Botica, Braseiro, e Buzina. Todos excelentes, mas havia um que não fazíamos muita questão o Bordado, não porque não fosse bom, mas já era meio veião e diante de tantos, se ele escolhesse ele, tudo bem. O segundo pela ordem seria o Botica, que também sentíamos (equivocadamente) que estava meio decadente porque já virava de uma dezena de anos. No respectivo torneio os nossos seis bicudos ficaram entre os dez primeiros e o Sr. Walter ao final escolheu o Botica para trocar com a bicuda do topetinho. 
Ficamos indignados, em princípio, se fosse o Bordado tudo bem, mas o Botica era demais. O incrível é que o Sr. Walter não sabia de nada quanto a verdadeira origem dela, supomos. Porque aquela enorme valorização? Mas a vontade de ter a mãe do Batuque, Braseiro e Blecaute era enorme e veio a análise momentânea: “conseguir um bicudo de ponta é complicado mas uma fêmea desse nível é impossível e não haverá outra oportunidade”. Batemos o martelo: “tá feito!”. Nosso amigo Roberval Tavares, o Gambirinha, se indignou mais ainda: “corre do negócio, não faça isso, onde já se viu, sai fora”. E mais, na hora de pegá-la no carro, quis entregar a outra no lugar, como se não soubéssemos da questão do topetinho. “Ufa, até que enfim, depois de quase dois anos de labuta pegamos a Topetinha”, assim que a colocamos em nosso veículo juntos com os outros, uma sensação muito gostosa, uma espécie de alívio. 
De posse dela a ideia era tirar filhotes, mas esbarrava em nossas condições de ter trabalhar o dia inteiro no BB e não haver tempo para o respectivo e complicado manejo reprodutivo, ainda mais à época em que não se tinha conhecimento mais adequado do processo. Aí, Chico Bernardes, se propôs a tirar filhotes dela e assim fizemos. Levamos o Bicudo Batropi, o Tropical, que era um ótimo bicudo, juntos, lá para Taguatinga onde morava Chico. Dito e feito, logo tirou dois filhotes dessa dupla. Maravilha, conseguimos pegar dele os dois, era um casal. Pouco tempo depois por volta de seis meses foram a óbito. Coccidiose pura, não sabíamos de nada. Hoje, uma gota de Baycox em 50 ml, uma vez por mês, até que se complete um ano de idade, resolve este mal que tanto assola filhotes até que fiquem adultos. Perdemos os filhotes e o Chico “não sabemos o porquê” cismou que tínhamos que passar a Topetinha para ele, virou uma sarna, nesse sentido. Por isso não deu outra, levamos ela para casa e pronto, “chega de tanta conversa indiscreta”. 
Assim ficou em casa por uns tempos até que Santiago do Cruzeiro Novo nos convenceu a criar a meia, ele tinha um excelente bicudo o Falcão, fibra com repetição que se encaixava bem com o perfil dela. Então, concordamos e lá se foi ela de novo para reproduzir naquele criador. Passado algum tempo, nos disse: “olha, nasceu só um filhote e aleijado, se quiser te dou ele”. E ficou supostamente nisso. Segundo ele nos informou não havia criado mais. Passados uns dois meses fomos lá e buscamos a bichinha com a ideia de não mais fazer parceria em criação. Tínhamos de arrumar um jeito caseiro para criar com ela.
Pois bem, gastamos um dinheirão para montar alguns viveiros que pretendíamos executar o processo de reprodução em nosso criadouro Lagopas, sem ter ajuda alheia. Fizemos o melhor que podíamos, cuidamos da ventilação, sol direto, proteção contra corrente de ventos e tudo o mais que pensávamos indispensável para o sucesso da empreita. Tivemos um trabalho danado de manejo para conseguir acasalar ela com um bicudo chamado Belo Horizonte, que era um meia boca na roda mas muito quente e repetidor. Meio renitente, dando uns pega nele, enfim fizeram o casal, pensávamos: “Maravilha vamos produzir excelentes filhotes!”. 
Todavia a nossa falha maior, de tanto ouvir que seria bom usarmos a planta conhecida como “buchinha” para a bicuda fazer o ninho, colocamos um vaso com este arbusto dentro do viveiro. Foi fatal, criamos um sistema de irrigação por gotas para regar a planta. A verdade é que, não tínhamos o menor conhecimento sobre o perigo da proliferação de fungos em um ambiente com alta umidade e temperatura elevada como acontece em Brasília, na época do verão. 
O que não esperávamos aconteceu, assim que nasceram os filhotes o casal adoeceu e foram a óbito, todos juntos. Ficamos estupefatos e profundamente contrariados por vários dias, a decepção foi grande demais. Perdemos a Topetinha e o nosso propósito de tirar irmãos do Batuque e do Braseiro foi por terra, nunca mais. Mas a história não terminou nisso. Muitas surpresas estavam por vir ainda. 
Algum tempo depois, fomos até a casa do amigo Roberval Tavares, não o encontrando chegamos até a residência do Santiago que era vizinho da rua de trás. Eis que estavam na calçada com alguns bicudos, três pintados nas estacas cantando um na cara o outro. No instante, reconheci um deles como sendo filho da Topetinha, a semelhança com a raça era incrível, não havia dúvidas, inclusive a idade batia com a estada da Topetinha por lá. Tínhamos, com certeza, sido enrolados nesta história, reclamamos na hora, mas ele negou, mas não soube explicar de onde havia tirado aquele pintado, tropicou nas palavras e quase confessou. Engolimos seco, porém o gosto amargo de cabo de guarda-chuva surgiu em nossa boca, mais uma vez. 
Ao sair dali, recomendamos ao amigo Roberval que pegasse pelo preço que fosse os bicudos que provavelmente seriam filhos da Topetinha, isso debaixo de um calado. Dito e feito, algum tempo depois nos ligou e disse: “Venha aqui que tem novidade pra ti”. Fomos correndo, lá estava aquele pintado, já preto, a cópia da Topetinha, cantando Goiano Clássico com um traço de curió como seu pai, o bicudo Falcão cantava. Os outros não tínhamos certeza da filiação Topetinha. Colocamos o nome de Benvindo. Sentimos que ele tinha perfil de fibra e o levamos mesmo sem treino num torneio em Anápolis - GO, e ele ficou entre os dez primeiros dando cantada na roda de até 20 cantos de cada vez. Provavelmente um campeão no futuro. 
Logo depois, mudamos para Bonfim Paulista, distrito de Ribeirão Preto - SP, e levamos todo o nosso plantel. A esperança era grande, colocamos o Benvindo no viveiro para mudar e quem sabe tirar filhotes dele. Aí acontece mais uma fatalidade. Não sabemos o motivo. Ele quebrou a munheca e dobrou os dedos do pé direito. Ficou aleijado de forma definitiva praticamente impossibilitando-o de cruzar. Na primeira oportunidade que surgiu um criador que demonstrou interesse nele não fizemos questão, até facilitamos o negócio. Isto porque cada vez que o avistávamos vinha aquela angústia de ver nosso projeto de ter a genética do Batuque sair pelo ralo, na filosofia – o que os olhos não veem o coração não sente - A decepção foi grande demais, até hoje não gostamos nem de lembrar desse caso. 
Moral de nossa história, nem sempre conseguimos aquilo que queremos, nessa questão de criação, são muitas as variáveis que não temos controle. De uma coisa temos a certeza, quanto mais qualidade e afeto temos por algum bicho mais difícil vai ser o seu manejo. E se falarmos em sua respectiva reprodução, aí mais difícil ainda. Por incrível que pareça, há outros casos fortuitos, em contrapartida, que muito podem te ajudar colocando em suas mãos espécimes de destaque de uma forma até inesperada. A lição é sempre a mesma: desistir jamais, temos que seguir em frente... Vida que segue...